Se o presidente americano Donald Trump lançar a operação “fogo e fúria” contra a Coreia do Norte, o conflito se estabelecerá no coração do comércio mundial de commodities. Anos seguidos de sanções isolaram os norte-coreanos dos mercados internacionais e fizeram do país uma formiga no mundo de matérias-primas não transformadas. Mas a formiga é cercada por elefantes.
A China recebe mais de metade dos carregamentos mundiais de soja (vindos principalmente do Brasil e dos Estados Unidos, maiores exportadores). O Japão é o maior importador de gás natural. A Coreia do Sul está entre os maiores compradores de carvão e principais vendedores de aço. Juntos, os três países são destino de cerca de um terço do transporte marítimo de petróleo.
Os armadores acompanham atentamente os testes de mísseis da Coreia do Norte e a retórica de Trump, com temor de que a escalada das tensões evolua para ações militares que interrompam o fluxo de commodities para aqueles países (que estão entre os maiores clientes do agronegócio do Brasil).
Ainda que por ora seja apenas uma guerra de palavras, a elevação do tom poderá levar ao aumento no custo do seguro dos navios, exclusão de áreas marítimas e interrupção na operação dos portos. Esse cenário, segundo analistas e estudiosos da região, provocará aumento dos fretes e mudança de rotas.
“A retórica pesada, dentro e fora da Coreia do Norte, se intensificou nos últimos dias e, ainda que a interrupção do comércio regional seja improvável no momento, é importante destacar o papel crucial da península da Coreia e do Norte da Ásia no mercado de commodities”, diz o analista do Citigroup Christopher Main, em um relatório divulgado em Londres nesta quinta-feira (10).
Jogo endurecido
Donald Trump aumentou a pressão sobre a Coreia do Norte, advertindo o país a não prosseguir com a ameaça de testar mísseis perto da ilha de Guam e prometendo uma resposta avassaladora contra qualquer ataque aos Estados Unidos ou seus aliados. Trump reafirmou a ameaça do dia 8, de que produzirá “fogo e fúria”, e disse que a declaração talvez “não tenha sido dura o suficiente”. Ele se recusou a descartar um bombardeio preventivo contra Pyongyang, a capital norte-coreana.
O impacto sobre a rota marítima das commodities dependerá se o eventual conflito permanecer restrito à península coreana ou envolver uma região maior. Na Guerra das Malvinas de 1982, que durou dez semanas, os ingleses impuseram uma zona de exclusão de 200 milhas náuticas ao redor das ilhas (370 km), transformando em alvo potencial qualquer navio que entrasse naquele espaço. Na mesma década, navios neutros foram atacados no Golfo Pérsico durante a guerra Irã-Iraque.
A capital da Coreia do Sul, Seul, fica a 40 km da fronteira com a Coreia do Norte, uma das mais vigiadas do mundo. Mas a área comercial impactada pode ser bem maior em caso de conflito, segundo Gary Chen, dono da Xinde Serviços Marítimos, que faz análise de riscos para a região. Chen observa que a cidade de Dalian, na China, está a cerca de 170 milhas da costa norte-coreana, enquanto a principal ilha do Japão fica a 320 milhas. Os fretes dos navios na região poderiam subir entre 20 e 30% caso estoure a guerra, forçando as embarcações a mudar de rota e aumentando assim o tempo gasto com transporte.
Desvio de rotas
Ainda que seja possível desviar os carregamentos para outros portos ou fazer as entregas por via terrestre, isso representaria uma elevação significativa dos custos. “É de se esperar que, caso a tensão se eleve ainda mais, os navios mercantes respondam evitando certas áreas ou portos, ou mesmo regiões inteiras”, diz David Attard, professor do Instituto de Direito Marítimo de Malta. “Isso de fato afetará as rotas de navegação, com possibilidade real de elevação dos preços”, aponta.
Três dos cinco maiores importadores de petróleo dividem fronteiras ou mares com a Coreia do Norte. Praticamente toda a importação de petróleo do Japão e da Coreia do Sul, assim como a maior parte da China, chega através de carregamentos marítimos. Combinados, os três países recebem um terço dos 39,9 milhões de barris que diariamente viajam ao redor do globo em navios petroleiros gigantes, segundo dados da companhia marítima Clarkson.
Cerca de 40% das exportações mundiais de produtos acabados e semiacabados de aço saem da China, da Coreia do Sul e do Japão. Os três países também respondem por 84% do comércio marítimo mundial de minério de ferro, de acordo com o Citigroup, e de 47% das importações via marítima de carvão, segundo a UBS.
No entanto, o preço das commodities não aponta tendência altista, mesmo com eventuais riscos geopolíticos, diz nota técnica do Citigroup, de 10 de agosto. O Índice de Commodities Bloomberg caiu 4,8% neste ano.
China tem alternativas
A China respondeu por 64% das importações de soja no ciclo 2016-2017, segundo o Departamento Norte-Americano de Agricultura, e é o maior importador mundial de arroz, com participação de 13%. O Japão é o maior comprador de milho no mercado internacional, e, combinados, os três países são destino final de 20% de todas as importações de grãos.
Quatro dos distritos aduaneiros do norte da China, próximo da Coreia do Norte, recebem cerca de 47% das importações de petróleo do país e 63% do carvão antracito, segundo a Administração Geral das Alfândegas. “O país não é tão dependente das importações via marítima como o Japão e a Coreia do Sul, já que possui uma rede de oleodutos e portos secos para receber petróleo, gás natural e carvão, e pode redirecionar petroleiros para os portos do sul ou transportar as commodities por terra”, afirma Lin Boqiang, diretor do Centro de Pesquisas Econômicas em Energia da Universidade de Xiamen.
“As importações chinesas podem enfrentar algumas inconveniências de curto prazo, com redirecionamento das cargas para outros portos, mas de modo geral não devem ser muita afetadas, uma vez que o suprimento de energia da China é muito diversificado e a península coreana não é fonte desses suprimentos”, completa Boqiang.
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