PRESO EM ALCAÇUZ JÁ ESCREVEU TRÊS LIVROS





Newton Albuquerque Gomes de Andrade: publicitário paulista preso na Penitenciária de Alcaçuz por tráfico de drogas
Outubro de 2008. Praia de Jenipabu. O destino turístico potiguar seria o ponto final da viagem mais importante da vida do jovem publicitário paulistano Newton Albuquerque Gomes de Andrade. O homem de então 32 anos, ao contrário do que acontece com muitos que passam pelo paradisíaco litoral do Rio Grande do Norte e resolvem ficar, caiu nas mãos da polícia com 300 kg de crack e 100 kg de cocaína, uma das maiores apreensões de drogas da história potiguar. Resultado: 20 anos e nove meses de pena para cumprir por tráfico de drogas.

Agosto de 2015. Penitenciária Estadual de Alcaçuz. Da vida de luxo e sonhos que o tráfico de drogas por pouco tempo proporcionou, Newton Albuquerque agora amarga a solidão da cadeia e o convívio com alguns dos maiores criminosos do RN e até do país nos seis anos e sete meses de pena cumpridos. As agruras do cárcere inspiram o homônimo do famoso físico britânico a escrever. De dentro da penitenciária, Newton escreveu três obras: uma espécie de autobiografia, um livro infantil e um romance de inspirações espirituais.

O período inicial de três anos no cárcere, os reflexos da prisão na sua vida, os pensamentos suicidas, o afastamento da família em São Paulo, o retorno para a cadeia cinco meses após ir para o regime semiaberto. Em suma, a vida de Newton Albuquerque de 2007 até agora está inserida em “A Escolha Errada”. “A base do livro é mostrar que o crime não compensa. Quero dizer isso tanto para meus colegas, como já fiz muitas vezes, como para as pessoas de fora”, afirma.
  

Manuscrita em mais de 400 páginas de caderno, a obra é, principalmente, o relato autobiográfico do seu período servindo ao tráfico de drogas, o cumprimento da pena e suas consequências. “Você não tem outra coisa para fazer na cadeia que não seja pensar”, pontua ele.

Nascido e criado no bairro de Santo Amaro, coração da Zona Sul paulistana, Newton era o típico garoto de classe média. Trabalhou em grandes companhias como Tim, Kaiser e Ambev. “Vim de uma família estruturada. Meus pais sempre me deram apoio e tenho amigos que são advogados, fotógrafos, promotores. Eu fui o único levado para esse lado errado, não sei nem por que. Quer dizer, sei sim. Foi pelo dinheiro”, lamenta Albuquerque.

Nos idos de 2007, prestes a concluir seu curso de publicidade e propaganda na Universidade de Santo Amaro (Unisa), Newton é demitido da posição de supervisor de marketing da cervejaria Kaiser. Com o dinheiro da rescisão compra um caminhão-guincho. Vai com ele todo dia para a faculdade. “Foi assim que surgiu a primeira proposta. Era um cara que se você olhar jamais vai imaginar que era um traficante”, relembra.

O esposo de uma companheira de sala viu o guincho e fez a seguinte oferta: levar um carro da capital para uma cidade do litoral por R$ 5 mil. “Aquele frete não era mais do que R$ 120. São só 70 km de viagem. Fui, mas achei estranho, até porque não vi nada no carro”, conta.

O dinheiro que entrou fácil, a princípio, não inibiu Newton. Até que surgiu a segunda proposta, um mês depois. “Perguntei para o cara o que era aquilo. Aí ele resolveu jogar limpo e disse que era tráfico de drogas. Fiquei nervoso, resolvi parar. Mas ele me ofereceu R$ 30 mil pela viagem seguinte. Era o que ganharia em dois anos de trabalho”, explica ele. 

Daí para frente, por praticamente um ano, Newton entrou na roda-gigante do tráfico de drogas. Então só pela parte de cima. “Eu caí de paraquedas no crime. Logo me vi frequentando Jurerê Internacional (praia de Santa Catarina), as melhores boates de São Paulo. Fiquei encantado com tudo aquilo”, aponta. Envolvido plenamente com o transporte de drogas, ele resolve então aceitar a proposta para vir até Natal. Receberia R$ 100 mil para trazer um carro da marca Land Rover, recheado de cocaína e crack, em seu caminhão-guinho. 

O combinado seria deixar a chave com um homem que estaria em um hotel na praia de Ponta Negra. “Mas eu quebrei a regra. O cara pediu para deixar o caminhão em Jenipabu, porque não tinha quem dirigisse. Quando estava saindo da casa, fui preso. E o dono da droga fugiu”, conta Newton. A casa para onde Newton seguiu com a droga tinha sido denunciada, de forma anônima, como um possível desmanche de carros. A Polícia Militar seguiu até o local e encontrou Albuquerque e Cláudio Martins Júnior.

A prisão e os companheiros
Após duas semanas recolhido no Centro de Triagem, o paulista – gentílico que virou apelido pelo qual Newton é reconhecido até hoje dentro do sistema prisional – é encaminhado para a Penitenciária de Alcaçuz. “Eu e o outro cara que foi preso comigo fomos colocados dentro do ‘chapão’. Ali, entrei em depressão. Pensei que ia passar 20 anos dentro daquele prédio”, conta. O “chapão” ou “chapa” serve para que os presos novatos passem por um período de adaptação. E também para receber detentos que estão cumprindo castigos.

Passado para um dos pavilhões, ele começa a aprender e conhecer a realidade do sistema prisional. “Ganhei o respeito deles. Sempre deixei claro que não era criminoso. Eu servi ao crime e não tinha intenção de voltar a fazer isso. Óbvio que aqui existem homens perigosos, que para eles não adianta falar em recuperação. Mas existem jovens que estão presos apenas pelas consequências do uso do crack, por exemplo, que com o mínimo de apoio poderiam ser reabilitados”, afirma. 

O contato com os amigos de cela e as reflexões internas aos poucos foram semeando a ideia de registrar aquele momento sui generis. A faísca que criou a chama, no entanto, só surgiu em Mossoró. Por um ano Newton foi interno do presídio federal na região Oeste. 

Esteve ao lado de nomes como Edmilson “Sassá” Ferreira dos Santos, um dos líderes da facção carioca Amigos dos Amigos (ADA) – “Conversava quatro ou cinco horas por dia com ele, por um buraco entre uma cela e outra” –, e o colombiano Nestor Ramón Caro Chaparro, um dos maiores narcotraficantes da Colômbia preso no Brasil. “A família dele vinha de 15 em 15 dias, em um jatinho. Ele queria criar um yorkshire na cela também”, rememora.
  
As facilidades que o colombiano tinha para ver a família nem sequer chegavam perto do que Newton tinha. O contato com a família e os amigos no Sudeste se limitava a cartas. “Eram várias e várias cartas. Todas vistoriadas pela polícia, psicólogas e terapeutas do presídio, que viram que eu tinha uma escrita boa e me estimularam. Passei de cinco folhas para dez. Depois 20. E fui liberado para escrever o que eu quisesse. Vi que tinha uma certa aptidão”, conta. 

A queda, os anjos e a luz no fim do túnel
Após pouco mais de três anos recolhido em celas do sistema prisional, Newton conseguiu sua progressão de pena para continuar cumprindo-a em regime semiaberto. “Eu não entendia nada de lei. Pensei que quando fosse para o semiaberto podia voltar para São Paulo, mas não foi assim. Tinha que ficar por aqui mais um ano e meio”, explica.

Sem conhecer ninguém no Rio Grande do Norte que não fosse algum apenado ou ex-apenado, Albuquerque amparou-se nos colegas de cela. Saiu da Penitenciária de Alcaçuz direto para a casa da família de um colega de cela, no bairro do Bom Pastor, e passou a cumprir o semiaberto no Complexo Penal Doutor João Chaves. 

“Cinco dias depois, estava saindo da Zona Norte e um cara que conheci na cadeia passou me oferecendo carona. Quando entrei no carro vi que estavam mais três caras, todos eles armados. Disseram que iam fazer uma ‘parada’, mas que antes iam me dar a carona. Se a gente era parado pela polícia ali, quem ia acreditar que eu era inocente? Sou de São Paulo e os únicos amigos que fiz foi na cadeia. Quando saí comecei a andar com um e com outro. Não posso dizer que não sabia que eram assaltantes, traficantes. Mas eu não queria aquilo para mim. Fui atrás de emprego, procurei ajuda na Sejuc, mas todas as portas foram fechadas’, pontua.

O paulista lembra que, por um tempo, voltou a ver na sua frente o mesmo filme que teve como fim sua prisão. “Depois desse episódio da carona, minha mulher esteve aqui em Natal. Ela financiou uma moto para eu não ter mais que pegar carona. Aí o que foi que eu fiz no dia seguinte? Dei carona, justamente para o cara que seria minha ruína tempos depois”, conta Newton.

“Eu almoçava todo dia em um lugar no conjunto Vale Dourado. Certa vez que não fui, aconteceu uma chacina. Mataram cinco, conhecia todos eles. Eu andava com pessoas erradas. Uma delas era um grande traficante, que tinha uma bela família, casa na praia. Fui a vários churrascos oferecido por ele. E por conta disso terminei preso. Totalmente inocente”, defende-se.

A segunda prisão de Newton foi em 2012, cinco meses após progredir para o semiaberto. Por seu envolvimento próximo com traficantes potiguares, foi apontado como elo entre o RN e os fornecedores de droga de São Paulo. Albuquerque jura inocência até hoje. “De fato, eu sabia que eles tinham esse contato em São Paulo, mas não conhecia ninguém. Fui preso por estar andando com as pessoas erradas, na hora errada. Nunca me envolvi com nada”, assegura.

Após breve passagem pela Penitenciária de Nova Cruz, o publicitário volta para Alcaçuz para recomeçar o cumprimento de sua pena. “Eu quase entrei em depressão. Não quis mais contato com ninguém, estava envergonhado de ser preso mais uma vez. Mas, enfim decidi que iria fazer algo. Mandei mais de cem pedidos para trabalhar e enfim Wellington (Marques, ex-diretor da penitenciária) me deu uma chance. Foi o primeiro anjo que apareceu para mim”, cita Newton.

Obras em fase de digitalização
Agora, o grande plano da vida do paulista Newton Albuquerque é conseguir publicar seus livros. Para tanto, conta hoje com a ajuda do diretor e do vice-diretor de Alcaçuz, respectivamente, Eider Brito e Clebson Galdino – “Os outros dois anjos que apareceram na minha vida”, além do juiz Fábio Ataíde e da servidora do Tribunal de Justiça Guiomar Veras. 

São eles que estão com os três manuscritos feitos pelo detento desde 2012 e estão, separadamente, no processo de digitalização das centenas de páginas do caderno, com objetivo de transformá-las em livros.

A partir das publicações, Albuquerque quer seguir sua vida contando sua história. “Espero sair daqui, pelas contas da remissão pelo que trabalhei, no fim do ano que vem. E tocar minha vida, dando palestras para contar minha história, mostrando realmente que o crime não compensa. Tive muito dinheiro nas mãos e hoje não tenho nada”, completa.



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