O Dono da Chapa
No município potiguar de Poço Branco, Rodrigo Marques Lucas de Araújo, candidato a vereador pelo Progressistas transformou candidaturas femininas em fachada. O dono da chapa acabou no centro de uma denúncia por fraude à cota de gênero.
16 de abril de 2025

O Que Você Vai Ler
No município de Poço Branco, no interior do Rio Grande do Norte, a disputa por uma vaga na Câmara Municipal seguiu o roteiro típico de pequenas cidades quem tem o dono da chapa: coligações improvisadas, acordos de bastidores e a busca, nem sempre honesta, pelo mínimo legal de candidaturas femininas. Mas um nome, entre os onze investigados numa Ação de Investigação Judicial Eleitoral, emergiu com destaque — e não pelos votos que recebeu.
Rodrigo Marques Lucas de Araújo, candidato a vereador pelo Progressistas, foi descrito pelo Ministério Público Eleitoral como o cérebro de uma operação de fachada. De acordo com parecer do promotor Leonardo Dantas Nagashima, Rodrigo orquestrou uma manobra que incluiu o lançamento de duas mulheres — Juliana Gonçalo e Maria da Conceição da Silva — apenas para cumprir formalmente a cota de 30% de gênero exigida por lei. O objetivo: garantir a regularidade do DRAP, o Demonstrativo de Regularidade de Atos Partidários, e abrir caminho para sua própria campanha.
Vozes fora do script
A coreografia ensaiada nas prestações de contas e nos atos públicos começou a ruir quando vieram vídeo e os áudios. A mídia inaugural, obtida pelo Blog do Dina, expõe como a verba partidária caiu para todos, menos para as mulheres, conforme expôs a candidata Mary Carla
Daí para frente, foram áudio de WhatsApp que se encarregaram de formar as evidências contra o dono da chapa e pelas quais o mandato de Rodrigo está por fio. Em uma das sequências de conversas vozes identificadas como sendo de Maria da Conceição — admite que “não sabia muito bem como fazer campanha, mas toparam que eu fosse só para ajudar Rodrigo”. Em outro trecho, ela revela que “quem mexia com o dinheiro era ele mesmo, e me mandaram só assinar”.
As gravações não sugerem apenas improviso ou despreparo, mas um vínculo de subordinação política clara entre as supostas candidatas e Rodrigo Marques. Um dos conteúdos mais explosivos é aquele em que uma das candidatas Maria da Conceição Silva, que obteve apenas 7 votos, expõe o jogo do dono da chapa.
O conteúdo dos áudios, segundo o Ministério Público, foi decisivo para estabelecer o “nexo entre a formalidade da chapa e a condução centralizada por Rodrigo Marques”. E mais: ajudou a fundamentar o pedido de remessa do caso à autoridade policial, para investigação por possível crime de falsidade eleitoral.
O Início da Fraude
Segundo os autos, o teatro começou antes mesmo da formalização das candidaturas. Juliana e Maria da Conceição foram convencidas a integrar a chapa, mas sem qualquer estrutura de campanha. Nenhuma das duas fez comício. Nenhuma contratou material gráfico. Nenhuma pediu voto próprio. O que havia eram aparições esparsas, sempre em eventos puxados por Rodrigo — ele sim, com toda a engrenagem eleitoral a seu dispor.
As provas são robustas. O processo traz depoimentos de testemunhas ouvidas em audiência conjunta no dia 18 de março. Todas, sem exceção, confirmaram que as candidatas não tinham protagonismo em campanha alguma. As mulheres, quando apareciam, estavam nos bastidores — em comitivas, nas caminhadas, mas nunca como centro da cena. Não entregavam santinho, não tinham número próprio nos banners, não tinham rede social ativa.
Os extratos de prestação de contas reforçam a narrativa. A campanha de Maria da Conceição, por exemplo, recebeu recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Mas os valores, em vez de sustentarem sua corrida eleitoral, foram destinados ao pagamento de despesas da campanha de Rodrigo Marques. Houve transferência direta de verbas, comprovada com documentos bancários. As notas fiscais apresentadas, segundo o MP, eram padronizadas, sem lastro real em ações de campanha da candidata. O parecer chama isso de “estética da legalidade” — uma tentativa de mascarar, com formalidades, a ausência de conteúdo democrático.
O Pedido de Cassação

A análise do Ministério Público foi cirúrgica. Com base na Súmula 73 do Tribunal Superior Eleitoral, que permite a identificação de fraude à cota de gênero por um conjunto de indícios (como votação inexpressiva, ausência de campanha própria e contas padronizadas), o promotor sustentou que o caso vai além da mera irregularidade formal: é uma violação estrutural ao processo democrático. Rodrigo não só instrumentalizou duas mulheres, como concentrou o protagonismo político, os recursos financeiros e o poder de decisão na campanha proporcional do partido.
Ainda que todos os nomes da chapa estejam no processo, o MP recomenda a responsabilização exclusiva de Rodrigo Marques. Juliana e Maria da Conceição, diz o parecer, não demonstraram dolo nem se beneficiaram diretamente do esquema. Rodrigo, por outro lado, foi identificado como mentor, executor e beneficiário direto.
Por isso, o Ministério Público requer sua cassação de mandato, recontagem de votos do partido e remessa dos autos à autoridade policial, com base na possível prática de falsidade eleitoral. A depender da investigação, Rodrigo pode enfrentar também consequências penais e cíveis por desvio de finalidade no uso de recursos públicos.
O caso aguarda julgamento pela Justiça Eleitoral de João Câmara. Mas o enredo já está traçado: num sistema que deveria promover inclusão e representatividade, o poder continuou masculino — e concentrado.
Outro Lado
O Blog do Dina procurou Rodrigo Marques e encaminhou 20 perguntas a partir de dúvidas levantadas pela AIJE que embase essa reportagem. Rodrigo não respondeu. Nos autos da ação, sua defesa nega qualquer fraude e afirma que não houve desvio de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para sua campanha. Sustenta que:
- Os R$ 10 mil recebidos por Maria da Conceição foram usados pela própria candidata com marketing, transporte e coordenadora de campanha — com comprovantes anexados aos autos.
- A mesma empresa de marketing foi contratada por diferentes candidatos da nominata, incluindo Rodrigo, que apresentou contrato e pagamento próprios, rebatendo a tese de desvio.
- Acusa a candidata Maria da Conceição de mentir em juízo, alegando que ela teria sido coagida ou influenciada politicamente.
- Classifica os áudios usados pela acusação como descontextualizados e inconclusivos.
Com isso, a defesa pede a improcedência da ação, sustentando que todas as despesas foram regulares e que não há provas de benefício indevido a Rodrigo.
Por Dinarte Assunção
Blog da Dina
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