
Com a morte de Lampião e de parte do seu bando na madrugada do dia 28 de julho de 1938, na grota de Angicos, em Sergipe, os cangaceiros foram decapitados e suas cabeças conduzidas até Piranhas, base das operações, para serem transportadas até Maceió, onde foram necropsiadas.
Segundo o perito criminal Ailton Vilanova, quem preparou as cabeças para a demorada excursão foi um militar conhecido como Azogado. Foi ele quem pôs sal para mantê-las conservadas durante todo tempo em que foram exibidas como troféus. Em Santana do Ipanema, onde receberam formol enviado pelo Necrotério de Maceió, ficaram na frente do Quartel do 2º Batalhão do Regimento da Polícia Militar de Alagoas.
Foram recebidas nessa cidade sertaneja por oficiais e pelo comandante do 20º BC, capitão Mário Lima. O comandante da Polícia Militar de Alagoas, tenente-coronel PM Theodoreto Camargo Nascimento, também ali esteve parabenizando seus oficiais e soldados, que posteriormente foram condecorados e promovidos.
Theodoreto Camargo foi um dos militares que apoiou a Revolução de 1930 e no ano seguinte, quando ainda era 1º tenente, assumiu o comando da Força Policial do Estado de Sergipe.
Foi promovido a capitão do Exército em novembro de 1933 e tomou posse como comandante da Polícia Militar de Alagoas, comissionado como tenente-coronel PM, em 10 de setembro de 1936 e permaneceu nesta função até 18 de dezembro de 1940.
Segundo o escritor e jornalista Valdemar de Souza Lima, o comandante Theodoreto Camargo foi quem deu condições e estimulou a PM e seus oficiais a enfrentarem o cangaço. Partiu dele a sugestão ao governo para a criação do 2° Batalhão da Polícia, com sede em Santana do Ipanema, cujo comando foi confiado ao major José Lucena de Albuquerque Maranhão.
Como Lampião continuava a agir sem maiores impedimentos, Theodoreto chamou Lucena a Maceió para tentar identificar o dedo misterioso que impedia o fim do bando. A pressão deu resultado.
Cortejo macabro
As cabeças, num cortejo macabro, percorreram cidades e vilarejos, onde foram expostas para visitação pública. Foram exibidas também em Cacimbinhas, Palmeira dos Índios, Arapiraca, Limoeiro de Anadia, Mosquito e São Miguel. Entraram em Maceió às 21h, por Bebedouro. O caminhão com as cabeças foi seguido por dezenas de veículos e, no percurso pelo Mutange, Bom Parto e Cambona, foram recepcionados por muita gente nas ruas.
Em Maceió, foram conduzidas para a Praça da Cadeia, em frente ao Quartel da Polícia Militar. Uma verdadeira multidão ocorreu ao local nos dias 30 e 31 de julho de 1938. Milhares de pessoas de todas as classes sociais viram o espetáculo grotesco das cabeças em decomposição.
Mesmo quando foram levadas para o necrotério da Santa Casa de Misericórdia de Maceió, às 22 horas do dia 31 de julho, a multidão insistiu em acompanhar de perto os trabalhos dos legistas. Toda a área teve que ser isolada pela polícia diante da ameaça de invasão.
A necropsia foi realizada pelo médico legista da Polícia, dr. José Lages Filho, auxiliado por José Aristeu, que acumulava a função de necropsista com a de motorista do veiculo que transportava cadáveres, segundo informações de Ailton Vilanova.
Devido ao péssimo estado de conservação após cinco dias de exposições, somente a de Lampião pôde ser aproveitada para os estudos científicos.
Sobre a cabeça do Rei do Cangaço, o dr. José Lages Filho informou que ela havia perdido toda a massa encefálica em virtude das extensas e múltiplas perdas de material ósseo. Isso impossibilitava os estudos sobre possíveis anomalias cerebrais do cangaceiro.
Sobre o estudo antropológico, necessário para identificar o criminoso nato segundo as teorias de Lombroso – muito em voga na época –, o legista disse que os únicos sinais de degenerescência eram a assimetria das orelhas, microdontia e a forma ogival da abóbada palatina.
Para Lampião ser um criminoso nato faltavam, ainda segundo o legista, os indícios de pragmatismo maxilar, deformações cranianas e outras características do perfil da Escola Lombrosiana.
A conclusão do laudo foi: “Todavia, nem por isso os dados anatômicos e antropométricos assinalados perdem sua valia pelas sugestões que oferecem na apreciação da natureza delinquencial do famoso cangaceiro nordestino. – (a.) Dr. José Lages Filho, médico-legista da Polícia”.
Estes estudos eram tão importantes na época, que o governo de Alagoas recebeu um pedido do professor F. A. Nóbrega, de Curitiba, que pretendia enviar as cabeças dos cangaceiros para estudos no Instituto Guilherme II em Berlim. O governo negou.
Professor Ezechias da Rocha, chefe da Clínica da Santa Casa, jornalista Melchiades da Rocha e Dr. Lages Filho
Depois dos estudos em Maceió, os restos mortais dos cangaceiros foram levados para Salvador, onde ficaram expostos do Museu Antropológico Estácio de Lima, localizado no prédio do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.
Foi Dadá, companheira de Corisco – que passou a viver em Salvador -, quem exigiu o sepultamento dos restos mortais dos cangaceiros em cumprimento da legislação, que assegura o respeito aos mortos.
Somente no dia 6 de fevereiro de 1969, no governo Luiz Viana Filho, foi que os restos mortais puderam ser inumados definitivamente.
Antes, o Museu fez moldes para reproduzir as cabeças e continuar a expô-las como provas materiais da morte destes homens e mulheres.
Sobre o destino das outras nove cabeças que ficaram em Maceió, sabe-se, graças ao depoimento do santanense José Francisco de Azevedo Filho, que foram sepultadas, provavelmente no dia 13 de agosto de 1938, no Cemitério de São José, no Trapiche da Barra. O local foi marcado por uma pequena placa de cimento gravada com o número nove. A falta de informações sobre esse enterro é atribuída ao temor de que estes restos mortais fossem profanados.
Fontes: jornais da época e o livro Bandoleiros das Catingas, de Melchiades da Rocha.
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