
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
A Câmara dos Deputados cassou, nesta quinta-feira (18), o mandato do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por decisão da Mesa Diretora, após ele ter faltado a mais de um terço das sessões ordinárias. Essa é a segunda etapa de um calvário que o filho 03 do ex-presidente Jair Bolsonaro está atravessando em razão de suas próprias escolhas.
Ele se autoexilou nos Estados Unidos, de onde incitou o governo de Donald Trump a impor sanções contra o Brasil, a fim de forçar o Estado a liberar seu pai do julgamento por tentativa de golpe. Com isso, produtos brasileiros receberam um tarifaço de 50%, afetando empresas e empregos, vistos de autoridades foram cancelados e o ministro Alexandre de Moraes foi punido com a Lei Magnitsky.
Contudo, o aumento da inflação dos alimentos levou Washington a abrir diálogo com Brasília. Desde então, sanções econômicas vêm sendo removidas e as punições a Moraes, suspensas. Trump encontrou-se com Lula na Malásia e passou a elogiar o brasileiro publicamente, por enxergar pontos semelhantes nas trajetórias de ambos. A aproximação entre os dois é vista como a primeira etapa do calvário de Eduardo Bolsonaro.
Ele, que se vangloriava de uma relação diferenciada com o norte-americano, viu seu clã ser preterido pelo arquirrival de seu pai. E foi diretamente responsável por isso.
Eduardo ainda jogou o discurso da soberania e do patriotismo, que havia sido sequestrado por anos pela extrema-direita, no colo de Lula com sua traição ao Brasil. E não sou eu quem diz isso. Em conversa por áudio com o ex-presidente Jair Bolsonaro, revelada pela Polícia Federal, o pastor Silas Malafaia desabafou: “Desculpa, presidente. Esse seu filho Eduardo é um babaca inexperiente que está dando a Lula e à esquerda o discurso nacionalista e, ao mesmo tempo, te ferrando”.
Como já dito acima, a segunda estação na via-crúcis de Eduardo foi a cassação de seu mandato parlamentar pela Câmara. E isso ainda saiu barato para ele, uma vez que havia forte pressão para que isso ocorresse por traição à pátria. Contudo, seus aliados o blindaram no Conselho de Ética.
Com o vexame causado pela votação que livrou Carla Zambelli (PL-SP) da cassação, depois declarada nula pelo STF, que reafirmou a perda de mandato por ela ter sido condenada criminalmente duas vezes, por invadir o CNJ e perseguir armada uma pessoa em São Paulo, o presidente Hugo Motta foi aconselhado a despachar rapidamente o caso de Eduardo e o de Alexandre Ramagem (PL-RJ) pela Mesa Diretora. O ex-diretor da Abin, também condenado pelo STF, igualmente perdeu o mandato.

A terceira etapa do calvário será a perda de seu cargo na Polícia Federal. Eduardo Bolsonaro é escrivão concursado, licenciado da corporação para exercer o mandato de deputado, e responde a dois Processos Administrativos Disciplinares (PADs). Um deles apura a atuação do parlamentar nos Estados Unidos contra o Brasil, e o outro investiga ataques a Fábio Shor em agosto do ano passado. O delegado da PF era um dos responsáveis pelo inquérito que apurou a tentativa de golpe. A coluna solicitou ao governo informações sobre a situação dos PADs e irá atualizar o texto em breve.
A quarta etapa, e a mais dura de todas, será a provável condenação por coação no curso do processo penal, ou seja, por pressionar o STF a fim de interromper o julgamento de seu pai pela tentativa de golpe. Provável porque ele produziu provas contra si mesmo, vangloriando-se nas redes sociais pelas sanções impostas por Trump.

Em novembro, a Primeira Turma do Supremo aceitou, por unanimidade, a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra ele.
Segundo Alexandre de Moraes, Eduardo “insistiu na estratégia de ameaçar gravemente os ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive alardeando a possível aplicação de sanções aos demais ministros da Primeira Turma, órgão colegiado competente para julgar a AP 2.668/DF, para favorecer seu pai, Jair Messias Bolsonaro”.
A princípio, a pena seria de um a quatro anos de reclusão. Mas a PGR afirmou na acusação que ele tem praticado o crime de forma continuada. Nesse caso, a pena pode chegar a seis anos e oito meses. Provavelmente, um pedido de extradição será feito aos Estados Unidos.
Condenado, ele ficará inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Com isso, adeus à esperança de disputar o Senado Federal por São Paulo.
Acusação e defesa ainda vão apresentar provas e inquirir testemunhas. Dos Estados Unidos, onde está em autoexílio, ele não constituiu advogado e vem sendo representado pela Defensoria Pública da União. Há, porém, grande chance de ele ser sentenciado antes do registro de uma candidatura, que precisa ocorrer até 15 de agosto do ano que vem.
Mesmo que um aliado de seu pai vença a eleição e conceda a ele e a Jair um perdão, o STF tende a considerá-lo inconstitucional. O clã Bolsonaro dependeria, portanto, de uma mudança na composição do Supremo, o que pode levar tempo.
O calvário de Eduardo Bolsonaro não é obra de perseguição política nem de um sistema que resolveu calá-lo, mas o resultado previsível de quem trocou o mandato popular por uma cruzada pessoal, colocou interesses familiares acima do país e apostou que a chantagem internacional substituiria a política.
Ao tentar salvar o pai, entregou o discurso nacionalista ao adversário, esvaziou o próprio capital político e passou de herdeiro promissor a problema jurídico. Se há alguma lição nesse percurso, é simples e pouco confortável para a extrema-direita: quando a lealdade deixa de ser à Constituição e passa a ser a um sobrenome, o preço costuma ser alto. E a conta, invariavelmente, chega.
E, ao que tudo indica, sem possibilidade de redenção final, ao contrário da via sacra.
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