Servidora perde irmão para o vício em ‘bets’ e alerta: “O silêncio está custando vidas”


Juliana Prates e seu irmão Otacílio Prates. Foto: Divulgação

Juliana Prates Caminha, servidora do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE-BA), compartilhou em seu perfil do Instagram um relato sobre a perda de seu irmão, auditor no mesmo órgão em que trabalhava, que afundou-se no vício em apostas, as conhecidas ‘bets’. Confira:

 

Escrevo atravessada pela dor, mas também por uma necessidade profunda de falar.

A minha geração cresceu ouvindo que jogo era ilegal, que apostar dinheiro em jogo do bicho ou cassino era proibido, mas, de repente, tudo mudou. Hoje, as apostas estão no intervalo do futebol, nos podcasts, nos celulares, no bolso de qualquer pessoa, inclusive de crianças. O que antes era proibido virou negócio, profissão, “conteúdo”; o vício virou mercado, e o Estado aplaudiu.

O que mudou? Uma autorização legislativa silenciosa, aquela que não investe em prevenção, mas libera geral e arrecada.

É assustador perceber como as bets, que muita gente encara como simples diversão, carregam um impacto tão profundo e silencioso na vida das pessoas e na saúde do país. O dossiê “A Saúde dos brasileiros em jogo: análise político-econômica da regulamentação de apostas online e seus impactos para a saúde da população brasileira” mostra que estamos falando de pelo menos R$ 30,6 bilhões por ano em danos à saúde associados às apostas, e R$ 38,8 bilhões quando se incluem perdas sociais, como desemprego, moradia e aprisionamento.

São problemas que começam com uma aposta inocente, mas evoluem para depressão, endividamento, perda de emprego e até desfechos trágicos. São 12,7 milhões de brasileiros em situação de risco, lidando com algo que não é “falta de controle”, e sim um problema de saúde pública que cresce em uma velocidade maior do que a capacidade de resposta do Estado.

As famosas bets não afetam só quem joga: geram um custo coletivo, corroem famílias e ampliam vulnerabilidades, enquanto plataformas lucram com a fragilidade de usuários sem qualquer proteção real. É um alerta claro de que o país precisa olhar para isso com seriedade.

Meu irmão era meu colega de profissão, auditor do TCE. Um homem inteligente, sensível e correto, que vinha enfrentando um sofrimento psíquico profundo. Teve diagnóstico, passou por internação, ficou quatro meses em licença médica e, há pouco tempo, tentou retomar sua rotina de trabalho.

Nesse período, envolveu-se com apostas online; o endividamento veio junto, e isso começou há cerca de um ano e meio.

Ele lutou como pôde, mas não conseguiu sair desse ciclo, e eu perdi o meu único irmão, de pai e mãe. Esse não é um caso isolado. Há muitas pessoas endividadas, emocionalmente adoecidas, envergonhadas demais para pedir ajuda. Há famílias inteiras sofrendo em silêncio.

Eu já vinha refletindo sobre a urgência de tratar com seriedade o impacto das apostas na saúde mental, especialmente entre adultos que trabalham, têm responsabilidades, famílias e acesso fácil ao crédito. Agora, essa pauta atravessou a minha vida. Precisamos falar de limites, regulação, prevenção, acolhimento e responsabilidade.

O silêncio está adoecendo e custando vidas, como a do meu irmão. Sinto uma enorme dor neste momento, mas, quando possível, que essa dor possa se transformar em cuidado com outras vidas.

Se você estiver sofrendo, procure ajuda. Você não precisa atravessar isso sozinho. Que essa dor nos lembre da importância de falar, acolher e cuidar uns dos outros. Disque 188 (Centro de Valorização da Vida).

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