Adaptação Williams Rocha
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
Terceira estrofe
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Lista aquilo que é imaterial, próprio do sujeito ("sua doce palavra", "seu instante de febre", "sua gula e jejum", "sua incoerência", "seu ódio") e, em oposição direta, aquilo que é material e palpável ("sua biblioteca", "sua lavra de ouro", "seu terno de vidro"). Nada permaneceu, nada restou, sobrou apenas a pergunta incansável: "E agora, José?".
Quarta estrofe
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
O sujeito lírico não sabe como agir, não encontra solução face ao desencantamento com a vida, como se torna visível nos versos "Com a chave na mão / quer abrir a porta, / não existe porta". José não tem propósito, saída, lugar no mundo.
Não existe nem mesmo a possibilidade da morte como último recurso - "quer morrer no mar, / mas o mar secou" - ideia que é reforçada mais adiante. José é obrigado a viver.
Com os versos "quer ir para Minas, / Minas não há mais", o autor cria outro indício da possível identificação entre José e Drummond, pois Minas é a sua cidade natal. Já não é possível voltar ao local de origem, Minas da sua infância já não é igual, não existe mais. Nem o passado é um refúgio.
Quinta estrofe
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Coloca hipóteses, através de formas verbais no pretérito imperfeito do subjuntivo, de possíveis escapatórias ou distrações ( "gritasse", "gemesse", "tocasse a valsa vienense", "morresse") que nunca se concretizam, são interrompidas, ficam em suspenso, o que é marcado pelo uso das reticências.
Mais uma vez, é destacada a ideia de que nem mesmo a morte é uma resolução plausível, nos versos: "Mas você não morre / Você é duro, José!". O reconhecimento da própria força, a resiliência e a capacidade de sobreviver parecem fazer parte da natureza deste sujeito, para quem desistir da vida não pode ser opção.
Sexta estrofe
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond Andrade

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